sexta-feira, 8 de março de 2013

Ver o Mar



   A aventura de ver o mar, terá que ficar para amanhã, hoje, não vos posso lá levar.
Foram essas as palavras, que, da boca da mãe já cansada de os aturar, tinham acabado de escutar. Não admira, com tanto passageiro a sair e entrar, tiveram forçosamente que se atrasar. Pelas circunstancias que nos últimos tempos tinham vindo a provocar estas e outras contrariedades, a sua alma de criança, que tudo queria alcançar, sentiu-se desanimar. Sentou-se junto da porta, à luz amarela do candeeiro, que mortiça estava a ficar, à medida que a neblina nos últimos minutos se tinha vindo a instalar e  ficou a ouvir a sirene a tocar, que chamava, ou servia de guia, aos pescadores que trabalhavam no alto mar. Passaram alguns minutos, até que, entrou novamente para espreitar a mãe, que, atarefada acabava de arrumar a casa que tivera de alugar, colocando as roupas dos filhos cada um no seu lugar, preparando-se naquele preciso momento para cozinhar. Saiu novamente, não se querendo arriscar, ao mesmo tempo que prometia aos seus botões que não ia demorar, só queria dar uma volta, atravessar a rua, dar um giro,  para espreitar. Tal era a vontade, que passaram poucos segundos, e já no meio dos transeuntes que no passeio junto ao mar alegres andavam a passear, se encontrava a vaguear.  Tirou as sandálias, para sentir, debaixo dos pés o areal da extensa praia junto do mar, mar, que homens valentes da nossa história partiram a desbravar, para glória de seu nome e também de Portugal. As barracas lá estavam, com os toldes guardados, para pernoitar, de esqueletos no ar, alinhadas, esperando pelo novo dia, que não tardaria em chegar.
Deu mais uns passos, sentindo as ondas mais ao fundo a enrolar, mas, por causa do escuro, não podia nem se devia aproximar. Nas narinas sentia a penetrar, a maresia a cheirar a sal, que o vento lhe deixava ao passar. A sirene, insistentemente não parava de tocar, como que a dizer-lhe que ali estava a fronteira, onde acaba a terra e a seguir começa o mar.
Ao regressar já perto da casa onde se estava a hospedar, à luz pálida do candeeiro, desfolhava uma margarida que acabara de encontrar, triste encostada a um muro que a estava a amparar. Bem-me-quer, malmequer, continuava a desfolhar, lembrando-se das criaturas de quem já ouviu falar, que existem e vivem no mar. Há quem diga, que as sereias  gostam muito de cantar. Dizem também, o que fazem, àqueles que o seu canto teimam em escutar. Gira que gira e volta a girar. Bem feito, colocassem os no tecto onde é o seu lugar. Àquela hora, sozinha naquele lugar,  chegou a pensar, que embora estivesse a gostar muito de lá estar, ali perto do mar,  na sua terra junto dos seus, é que era o seu lugar. Sentia-se mestre do seu destino, não existia pirata algum que a fizesse embarcar. Cruzar o mar que Deus Nosso Pai criou em terceiro lugar, só se fosse para passear.
Antes de entrar, que a mãe já tinha vindo chamar, aproximou-se do muro a ler um cartaz que acabara de encontrar.
“Não se deixem enganar, Jesus Cristo, veio para dar vida, não veio para matar”.
Ao outro dia, diante do infinito liquido, os olhos de rio nem sabiam o que pensar. Abriu os braços deixando o vento passar, sentindo um grito de liberdade, no fundo da alma gritar.E foi dessa forma que na idade escolar, a pastora, que só conhecia peixinho de rio, foi conhecer outros peixes maiores que nascem e vivem no mar.

Foto e texto: Filomena Magalhães

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