quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Monte Longo

Logo a seguir ao jantar, o Sr. Monte Longo sentou-se na varanda a observar as luzes a descer a serra umas atrás das outras a tremelicar. A entrecortar o silêncio que com a noite tende a se instalar, passava de vez em quando uma moto a todo o gás a berrar. Ofegante rente aos muros do jardim a farejar andava o cão que passara o dia ao sol a ressonar.
Nas últimas horas alguma melancolia crescia e a ideia de que não conhecia ninguém que só fazia o que queria não mais o abandonou nesse dia.
Sentia-se tão bem, naquele lugar que desejava para sempre lá ficar. Infelizmente, os deveres chamavam-no, tinha mesmo que abalar.
Ali ficou por longo tempo na cadeira a baloiçar até que lembranças do passado o vieram visitar.
A família de grilos no monte já roucos de tanto cantar bem podia testemunhar o quanto ele já tinha sido feliz naquele lugar.
Debaixo do mesmo sol, em cima do mesmo chão, foi num verão igual a este que viveu essa curta mas intensa paixão.
Quem lhe chamou atenção de que ela existia tinha sido um velho varão de casaco pelas costas e Kentucky na mão que sempre que a via, por entre os arbustos do muro da casa onde vivia, com a voz rouquenha dizia:
Aí vai a curía!
A moça não gostava do que ouvia, seguia adiante e nada respondia. O homem achava graça, atirava gargalhadas e tossia.
Como sempre, no verão, a prima da moça que morava em Paris chegou, abriu a mala e pelo quarto um cheiro a alfazema se espalhou.
Logo que soube da sua chegada o Sr. Monte Longo mandou-lhe um recado pela empregada, que viessem as duas saborear uma deliciosa churrascada. A prima que ele já conhecia de outros eventos da freguesia chegou com ela à hora marcada junto ao portão onde ele ansioso as aguardava.
Enquanto o churrasco durou, o olhar dela ardentemente procurou. Quando ao final do dia em passo lento a acompanhou, trocaram pontos de vista dos jornais e das revistas um ao outro escutou. Envolto numa nuvem branca que vinha a passar estava o cupido lá em cima a espreitar. Aguardava a melhor hora de atirar a flecha no arco já pronta a disparar.
Quando em silêncio as mãos estavam a beijar a flecha cortou o ar, os dois logo sentiram os seus corações dentro do peito como um íman se enlaçar.
 De volta a casa, a imagem dela de saia rodada e blusa estampada no pensamento levou gravada.
Para espanto do gato e do cão que presenciavam tudo com muita atenção, andou com ela todo o verão debaixo do sol escaldante, imitou a onda hippie, num estilo extravagante.
De cabelo ao vento, simples mas educada, só o via a ele não via mais nada. Ele pensava nela, na fresca manhã, à noite ao relento ou deitado no divã. Olhava as estrelas com muita emoção lembrando o romance de Isolda e Tristão. Passeou com ela na areia do mar, no quintal, no monte, em todo lugar. Quando o sol deixou de aquecer, as primeiras chuvas começaram a aparecer, ela tinha feito as malas, também tinha ido embora, já não a podia ver. Lembrava-se ainda de muito desanimado ter lido “Mandingo” no sofá deitado. Ouviu Redding e Gainsbourg sem parar, na tentativa de não se lembrar.

Ficou na varanda longo tempo a recordar até que o relógio na sala de jantar o fez regressar.
Abandonou a cadeira, entrou na sala para escutar músicas do tempo em que a tinha conhecido, aquele momento queria prolongar. Fechou os olhos para a ver a dançar à volta da mesa a rodopiar. Com o LP ainda a rodar, foi dormir e descansar para daí algumas horas poder viajar. Ela ficaria para sempre no passado junto aos discos de vinil que era o seu lugar.

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