sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Gratidão


Depois do verão, colheram-se as uvas, o milho e o feijão, folhas em tons castanhos e amarelo cobrem o chão. As árvores de folha caduca até à primavera ficam a esperar, os ramos das outras, durante o inverno o frio e o vento terão que aguentar. No doce outono, crianças e adolescentes, depois de várias semanas a descansar, vão cheios de alegria, à livraria, comprar livros, cadernos e lápis para à escola regressar.

Foi num outono assim, com o céu nuns dias a sorrir, noutros a chover, que um governante sonhou com as gerações que não tiveram muito tempo para aprender. No sonho o governante sofria bastante, pois, queria ver o seu povo mais instruído e tolerante. Ao acordar, com os seus colaboradores, a ideia foi compartilhar, começou a trabalhar, para resolver de que forma o seu sonho iria realizar. Depois de tudo analisar, resolveu dar nova oportunidade aos que quisessem estudar. Libertar da escuridão, os que queriam e não puderam receber instrução, em tempos que já lá vão. Logo que o muro atravessou, o sonho não se dissipou, pelas ruas viajou, nas escolas e casas do seu povo entrou, outros sonhos provocou, nas cabeças como raio de luz poisou e muitos corações alegrou.
Monte Longo, ao verificar que o sonho do governante a vida da sua amiga veio alegrar, foi empurrado ao passado e deu consigo a pensar na menina que consigo andou a brincar, na encosta do monte, onde se ouviam as rolas a cantar e as rãs na fonte a berrar. Certo dia ao escurecer estavam os dois a conversar quando ela se lembrou de dizer que não lhe apetecia crescer, para não ter que ir para a tecelagem tecer. Nessa altura não soube o que lhe dizer, ficou só a ver, os seus olhos nos dela a entristecer,  sentindo o coração a doer, ele que gostava tanto dela e a viu crescer. Lembrava-se agora que para esquecer, os dois desciam a correr,  ouvindo atrás deles os degraus a ranger. Chegados à loja, parecia-lhes ver, na parede por entre as teias de aranha que não paravam de crescer, o caixão rodeado de velas a arder, do morto que no regresso da escola tinham ido ver. Iam ao pipo tirar água-pé, pegavam na lenha, para fazer o café,  sentindo o frio nas costas a arrepiar, subiam, deixando cair o alçapão com forte estrupidar. Depois do perigo passar, atiravam uma gargalhada pelo ar, correndo para cozinha, onde a mãe os estava a esperar. Monte Longo, de tanto que com ela andou a brincar, nos eidos, nos sobrados, nos limpadores e nos lagares, ou deitados no chão a cheirar o sabão no soalho acabado de esfregar, passou a conhecer-lhe o jeito e o andar. Agora, não tinha coragem de se aproximar, pensando nas dificuldades que ela teve que atravessar. Gostava de a imaginar, a tomar café,  fazendo de tudo para se apressar,   descendo as escadas a saltitar. Depois de tanta atribulação, Monte Longo chegou a uma conclusão, as lembranças da sua amiga e das casas por onde passaram,  ficarão para sempre no seu coração.
Filomena Magalhães

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